Era a primeira vez, em muitos anos, que Amanda relia aquela carta, depois de tê-la escrito
(às lágrimas)
sem nunca tê-la enviado ao seu destinatário.
De fato, quase dez anos haviam se passado desde aquela noite em que, tomada por uma forte emoção, sentou-se à mesa da sala de seu apartamento e começou a escrever, escrever, escrever, compulsivamente, até começar a sentir o gradual dissipar da angústia que sentia.
Naquela noite, Amanda não dormiu: as horas foram passando, passando, e o sono não vinha. Sua mente seguia agitada, quase convulsionada pelo que presenciara a respeito de Lucas, então seu namorado, um pouco antes naquele mesmo dia.
Depois de quase dois anos de namoro, quando ela já ia a cada encontro com ele esperando dele ouvir um
– Quer se casar comigo?
Amanda novamente foi encontrar Lucas com essa esperança.
Ele a havia chamado para tomar um chopp no final da tarde, algo que sempre faziam aos sábados, quando não tinham que trabalhar.
Ela, como de hábito e sentindo renovada a esperança de ouvir o
– Quer se casar comigo?
aceitou o convite dele
(era sempre ele quem convidava para o chopp)
e foi ao seu encontro.
O local era sempre o mesmo: um bar na Avenida Paulista, a meio caminho entre o apartamento dela, em Pinheiros, e o dele, no Paraíso.
Lá chegando, ela sentou-se à mesma mesa que, desde a primeira vez em que se viram, era a mesa deles: mais interna, longe dos excessos do clima que atingiam as mesas do bar que ficavam do lado de fora, na calçada.
Das outras vezes, sempre que ela chegava ao bar, já encontrava Lucas a esperá-la, e ele a recebia com um sorriso largo, seguido de um
– Olá.
e logo depois um beijo, um afago nos cabelos dela.
Então sentavam-se e ali passavam horas a beber e conversar, terminando a noite sempre na cama de um ou de outro, no apartamento dele ou dela.
– Tanto faz.
ela dizia, e depois completava
– O que importa é estarmos juntos.
Porém, naquele final de tarde, Amanda chegou ao bar e Lucas não estava lá, embora na última mensagem enviada por ele ao celular dela, ele afirmasse que estava a caminho.
– Estou quase chegando.
o áudio dele no celular dela dizia.
Mas até aquele momento, nada dele aparecer.
Ela ficou ali a esperá-lo por horas, sempre tentando contato
(ele não atendia)
mandando-lhe mensagens
(ele não respondia).
Tomada por uma forte angústia, a determinada hora, já tarde da noite, quando o bar estava praticamente vazio, ela se levantou daquela mesa e
(às lágrimas)
pegou o metrô a fim de retornar a seu apartamento.
No caminho, já dentro do metrô, Amanda observava, hipnotizada, uma menina de cabelos tingidos de azul sentada à sua frente. A menina trazia no seu rosto uma expressão de enorme tristeza, que contrastava com a alegria da tatuagem de Smile que ela tinha no braço.
Quando o metrô parou na penúltima estação antes daquela em que desceria, Amanda recebeu uma mensagem em seu celular, vinda de um número não identificado.
A mensagem trazia uma foto de Lucas, sentado àquela mesa do bar que ele sempre havia dividido com ela. Na foto, era possível ver que era o mesmo bar, a mesma mesa, o mesmo Lucas, só que com outra mulher a fazer-lhe companhia.
Uma mulher muito parecida com Amanda: o mesmo tipo de cabelo, de pele, o mesmo olhar, vestia-se no mesmo estilo, peso e altura aparentemente idênticos, e até o mesmo jeito displicente de segurar o copo de chopp que Amanda tinha, a mulher da foto parecia também ter.
Mas naquela foto, não era ela, Amanda, quem fazia companhia a Lucas. Era uma outra mulher, completamente diferente de Amanda aos olhos dele.
O olhar de Lucas tinha, na foto, um certo brilho diferente, que Amanda até então nunca tinha presenciado.
Quando finalmente chegou a seu apartamento, depois de subir três andares pelo elevador, no que lhe pareceu uma infinidade de tempo, Amanda, tomada por uma forte emoção, sentou-se à mesa da sala e
(às lágrimas)
deu início à escrita daquela carta que, desde aquela noite, permaneceu guardada: nunca chegou a ser enviada a Lucas, de cujo paradeiro não mais soube.
Aquela carta, agora, tantos anos depois, parece ter sido escrita por uma outra mulher.