Fiz hoje algo que nunca pensei que faria, uma coisa que vinha adiando por anos; não era exatamente um sonho de consumo; convenhamos, nem era mesmo um sonho — era apenas um desejo, forte, mas até hoje resistível; hesitava todas as vezes que ele me acometia; sempre que pensava em ir em frente, me lembrava daquela regra moral que diz que nunca devemos fazer a alguém algo que não queremos que seja feito a nós mesmos — mas, peraí, a regra neste caso era diferente: não era de cunho moral e, além do mais, vinha invertida. Como assim? — não queria fazer a mim mesmo o que já havia feito a outro; sim, pois já fiz isso, e o fiz para a minha própria mãe! Atormentava-me o pensamento de qual seria a reação quando fosse explicar isso em casa — ririam de mim, e muito, e de maneira escrachada, e não seria um simples “rs”, seria logo um “KKKK”, com vários cás maiúsculos — altissonantes. Seria de bom tom confessar o feito em meio à conversa de elevador, colocando timidamente o assunto ali junto ao comentário sobre o tempo?, tremia feito vara verde — como se dizia lá no interior —, só de imaginar. Mas aí concluí que isso talvez fosse uma daquelas coisas que não se pode pensar duas vezes — pensou uma, vai, faz! Vai se arrepender depois de feito, nunca por não fazer. E o medo de ser pego em flagrante: paralisante. Que angústia estas linhas carregam; fossem parte de uma poesia concreta, elas provavelmente estariam se curvando longitudinalmente ao longo da folha, tal como curvam-se os envergonhados ante a revelação do que lhes embaraça, ou mesmo a simples iminência desta. Concreto aqui é o constrangimento, rígido como aço — queria ser mais cara de pau. Meu rosto queima, vermelho feito um pimentão — parece que passei por uma dolorosa insolação. Mas a língua coça, parece ter vida própria: quer contar — conto ou não conto? Talvez pudesse revelar com os olhos fechados, assim não veria o mundo desabando, caindo em risadas ao meu redor — quando era criança isso parecia funcionar: a realidade ficava presa no plano da imaginação, do faz de conta, doía menos — ao menos era o que eu pensava (sentia). Mas será que, adulto, o efeito seria igual, indagava a mim mesmo, mas a resposta nunca mordia a isca. As coisas bem poderiam ser simples, como naquela revista de mesmo nome — mas não são, por quê? Agora entendo a labirintite da minha avó — que tontura! Tô zonzo, zonzim… acho que vou cair; não, melhor não: só faria maior meu vexame, como se isso ainda fosse possível. Respiro fundo e conto até 10, não, melhor contar até 20 — não, melhor falar logo, nada de puxar o curativo aos poucos, puxá-lo de uma vez, num tiro só. Se não lhes contar, não vou dormir, por mais carneirinhos que conte depois — sei disso, me conheço. E já que é pra contar, não quero fazê-lo entre parênteses — quero logo gritar em caixa alta. Vou contar e sair correndo, ficar em “off” por uns tempos – ou de vez.
Então vai lá: COMPREI PRA MIM UM PAR DE PANTUFAS!
Fui!