Quando chegou à praia, entregou seu corpo à nudez e seus cabelos aos cuidados da brisa morna que vinha do mar. Então pensou: é só isso que preciso para ser feliz.
A sua felicidade, porém, durou pouco: segundos depois de sentada nua sobre a canga que estendera na areia, a contemplar o infinito do céu e do mar, uns borrachudos começaram a picar seu corpo. A cada picada, os insetos levavam dela um pouco de seu sangue e nela deixavam uma pontada de dor.
Uma hora se passara desde sua chegada àquela praia
(já era final de tarde quando ela chegara ali)
e o sol começava a descer no horizonte: a noite estava à espreita, pronta para abocanhar o seu pedaço do ciclo dos dias. Protegidos pela escuridão, mais borrachudos vieram atacá-la.
Teria de partir dali, senão seria comida viva pelos insetos.
Não se recordava onde tinha deixado suas roupas ao chegar à praia. A euforia daquele momento era tamanha que a levou a nem dar bola para isso. E agora com o céu escuro, era-lhe quase impossível ver para além de um palmo de distância.
Os borrachudos aumentavam o vigor de seu ataque sobre o corpo dela.
Seguindo na contramão de seus pares, um deles, ao invés que chegar até ela para picá-la, beijou-a na boca: um beijo longo, demorado, com as línguas dele e dela se entrelaçando e as salivas de ambos se misturando.
Foi somente quando ele largou a boca dela, que ela enfim se deu conta de quem a beijava. Sentiu-se enojada, invadida, e assim, em seguida, empurrou o borrachudo para longe de seu rosto, levantou-se e saiu correndo sem rumo pela praia escura, indo bater com a cabeça em um galho de árvore que pendia, torto, alguns passos mais à frente.
Vendo-a naquela situação, o borrachudo rejeitado voou na direção dela, preocupado não apenas com o estado dos ferimentos que nela encontraria, mas também, como ela o receberia, após tê-lo rejeitado.
Mesmo voando rápido, a velocidade do voo não foi suficiente para evitar que ele fosse pego e, por fim, rapidamente devorado por uma coruja que, por infortúnio, cruzou seu caminho antes mesmo que ele pudesse se aproximar da mulher que desejava reencontrar.
Caída na areia da praia, toda ferida na cabeça e cheia de picadas de insetos pelo corpo, a ela não restava outra alternativa senão esperar a noite passar e, ao nascer do dia, podendo ver por onde andava, tentar, com as forças que lhe restassem, dali partir.
A noite passou e quando ela, enfim, acordou, viu-se deitada em uma cama, num quarto de hospital, todo ele branco, como branco era o uniforme do enfermeiro que, em pé ao seu lado, recolhia sangue de seu braço para um exame de sua condição de saúde.
Tendo passado a noite toda sendo picada, quase devorada viva pelos borrachudos, sentia-se fraca.
Da noite anterior, lembrava-se apenas de ter sido beijada por alguém. Mas quem? perguntou-se, sem contudo alcançar resposta em sua memória.
O enfermeiro ao seu lado, até então quieto, ao ver que ela acordara, disse-lhe então um
– Bom dia, como está se sentindo?
no que ela respondeu
– Apaixonada, creio eu
então ele
– Apaixonada?
de novo ela
– Sim
curioso, o enfermeiro perguntou
– Por quem?
e ela, não sabendo bem o que dizer, respondeu apenas com um prolongado silêncio.
Sem entender bem o que ia pela cabeça dela, o enfermeiro, preocupado, resolveu sedá-la e colocá-la para dormir novamente.
Vai ver está alucinando, ele pensou. Precisa descansar, complementou.
Horas depois, quando retornou ao quarto para ver como ela estava, no lugar dela, ele encontrou um ponto preto, sobre o lençol branco, que, à distância, pareceu-lhe ser um mosquito.
Ao olhar mais de perto, o enfermeiro pode enfim ver que, na realidade, o que havia encontrado ali era apenas um
.
ponto final.