Houve um tempo em minha vida que, no horizonte,
Bem cedo o sol nascia.
A vida seguia linear, numa sucessão renitente
De dias iguais, do alvorecer ao poente.
Hoje é um tempo de minha vida que
O sol demora a aparecer.
Custa a vencer a cordilheira de prédios que atrasa o alvorecer,
Mantendo-o cativo em seus momentos inaugurais de brilho.
Vivo numa sucessão de dias que quase literalmente correm,
Nesses tempos cujas horas parecem pelos dedos escorrerem,
Desde antes do alvorecer tardio
Para muito além do precoce poente.
Hoje é um tempo de minha vida que,
Por muitas vezes, nem vejo o sol,
Prisioneiro ele fica atrás de grossas nuvens,
Detido em sua masmorra celestial.
Mesmo em dias assim, eu noto
Os personagens da cidade moverem-se rápido.
Correndo ligeiros, como aqueles atores de filmes em preto e branco,
De tempos de outrora: da aurora do cinema.
Numa sucessão monótona de dias opacos.
Nos quais não vejo nem o alvorecer nem o poente.
Houve um tempo em minha vida que
Tive de encurtar a linha do horizonte
Na qual o sol nasce,
Pra expandir a linha da esperança,
Por meio da qual a vida renasce.
Conferir-lhe verticalidade.
Tornar-me adulto: crescer.
E viver um dia após o outro,
Descobrindo-me, explorando o novo e reciclando o velho,
Numa sucessão de dias diferentes,
Por vezes mesmo inclementes,
Que se prolongam
Desde antes do alvorecer até bem para além do poente.
Houve um tempo em minha vida
Que troquei a certeza do brilho do sol todos os dias
(Na ingenuidade de minha infância),
Pela dúvida de saber se amanhã ele brilharia.
Troquei a horizontalidade do tédio da vida em minha cidade natal
Pela possibilidade de elevar-me ante uma perspectiva vertical aqui na Capital.
Seguindo em frente numa sucessão de dias incertos,
Cujos porvires ignoro, isso é certo.
Podendo mesmo nunca chegar a conhecê-los, pois
Não sei se amanhã verei o dia amanhecer e, se vê-lo,
Não sei se chegarei a vê-lo morrer no seu poente.
Justamente por isso que o tempo de minha vida
Vivo-o intensamente.