Quando jovem, munido de uma caneta tinteiro,
Ornada com uma exuberante pluma de avestruz,
Costumava se sentar à sua escrivaninha de mogno, à meia luz,
E em silêncio, sobre um papel opaco como um nevoeiro,
Desenhava o rosto daquela que então sonhava
Um dia desposar e ter por toda a vida como sua amada.
Em outras folhas, estas brancas como um canvas,
Com vagar e com letra mui caprichada, tendo à frente
Os desenhos que havia feito da amada que tinha em mente,
Escrevia-lhes inspiradas cartas de amor,
As quais, por força do mais platônico pudor,
Acabavam, junto com os desenhos, deixadas
Dentro de um velho baú de jatobá.
Lá foram largadas e esquecidas por décadas,
Sendo por fim reencontradas, já amareladas,
Pela esposa que a vida de fato lhe dera.
Ao ver cartas tão belas, escritas de forma tão apaixonada,
Por seu par, àquela estranha,
De quem ela nunca ouvira falar, a esposa ficou muito enciumada.
Mesmo sabendo que eram correspondências antigas,
Que hoje não deveriam representar mais nada, ela,
Revoltada, pegou todas as cartas que estavam guardadas
Naquele velho baú de jatobá, cuja tampa estivera lacrada
Por anos, e jogou-as numa lata de lixo, que pelos lixeiros depois foi levada.
As cartas nunca mais foram vistas,
Nem de seu ato nenhuma suspeita seria um dia levantada.
Os desenhos, por sua vez, acabaram num fogareiro,
Sendo destruídos por inteiro.
Atos consumados, a esposa deitou-se na cama, aliviada.
Ali adormeceria, pois estava também um tanto cansada.
Seu marido, quando mais tarde chegou, encontrou-a
Já acordada e com um olhar de menina levada,
Cena esta que só atiçou a sua libido.
Fato é que terminaram a noite de um modo que há muito
Ele já havia esquecido.