À noite, gostava de subir no telhado de casa, onde, deitado de barriga para cima, de frente para o céu, ficava a observar as estrelas. Imaginava-se podendo tocá-las com as mãos e moldá-las, de maneira a recriar as constelações sob novos formatos.
Assim ficava por horas, até que sua mãe o chamasse para dormir.
– Vem se deitar.
No dia seguinte, a família toda acordaria para ir trabalhar, bem cedo, quando os primeiros raios de sol ainda nem bem tinham irrompido no horizonte.
Trabalhavam em uma fábrica de armas, cada um alocado em uma parte da linha de produção: o pai na primeira montagem, o filho no polimento e a mãe ficava com a embalagem. Hélio, o filho, tinha dezessete anos e trabalhava naquela indústria desde os doze. Foi seu primeiro e, até então, único emprego.
Não lhe agradava aquele trabalho, mas, filho de uma família pobre, seu salário era essencial para compor o mínimo necessário para sustentá-lo e, também, seu pai e sua mãe. Naquela região do país, não havia outra indústria a não ser aquela. Por pior que fosse, ainda era melhor que trabalhar na roça, pois pelo menos pagavam todos os direitos e o trabalho ia de vento em popa, dado o aumento no consumo de armas, que contrastava com a queda no consumo dos alimentos.
Ao final do expediente na fábrica, quando a noite ia caindo, Hélio seguia para casa junto com seu pai e sua mãe. Voltava cansado, mas ansioso para deitar-se sobre o telhado e, novamente, contemplar as estrelas.
Numa noite particularmente quente e estrelada, a voz de sua mãe a chamar-lhe:
– Vem se deitar
pois
– Já é tarde.
Como todas as noites se ouvia, então não se ouviu. Não que sua mãe nas as tivesse dito, mas quando o fez, Hélio já estava a quilômetros de distância dali, embarcado no ônibus que o levava para a cidade grande: São Paulo.
Saiu às escondidas de casa, levando uma mochila às costas apenas com as trocas de roupa suficientes para uma semana.
No final da madrugada, ao avistar as luzes da grande metrópole no horizonte, Hélio tentou moldá-las com as mãos como fazia com as estrelas que costumava observar no céu, do alto do telhado da casa de seus pais.
Frustrado com a inutilidade de seu gesto, recolheu os braços e aguardou, apreensivo, o momento que o ônibus chegaria à rodoviária, algo que aconteceu no final da madrugada, quando o dia nem bem nascia. Uma forte neblina então cobria a cidade.
Hélio desceu do ônibus e, seguindo o enorme fluxo de gente que, àquela hora, descia de inúmeros outros ônibus, subiu uma longa escada rolante até o andar superior da rodoviária, todo ele repleto de ainda mais gente, alguns guichês e lanchonetes. Um tanto atordoado com todo aquele movimento e sem saber ao certo para onde ir, ficou por um bom tempo a contemplar o ir e vir de pessoas, até que
– Já é tarde.
ouviu uma mulher a dirigir-lhe essas palavras, da mesma maneira que sua mãe fazia quando ele, noite alta, ainda insistia em ficar deitado sobre o telhado a contemplar as estrelas lá no firmamento.
– Já é tarde, Hélio.
Sua mãe a dizer-lhe.
E quando Hélio abriu os olhos, viu-a diante dele, vestida com o uniforme de trabalho.
– Hora de levantar.
A chamá-lo para mais um dia de trabalho na fábrica de armas.