Em frente à saída do metrô, era possível ver um grande número de barracas de vendedores ambulantes, que para ali iam todas as manhãs, a fim de venderem os mais variados produtos. Também Ana vendia seus produtos ali: chegava às 4 da madrugada, armava o cavalete, punha sobre este umas duas tábuas bem largas, cobria-as com uma toalha de plástico, em cima da qual colocava os diversos bolos que havia preparado em casa para vender, acompanhados ou não, a depender do gosto do cliente, pelo café coado que trazia em garrafas térmicas multicoloridas. Lá pelas 10 da manhã, quando o movimento maior de clientes dava uma trégua, Ana recolhia o que não tinha sido vendido e doava a uns meninos de rua que faziam a segurança de sua barraca, avisando da sorrateira aproximação do rapa, que, do nada aparecia por ali para confiscar os produtos que Ana e os demais camelôs vendiam.

Eram cerca de 4 meninos. De todos, seu preferido era William. Ana lembrava-se bem da primeira vez em que o encontrou, e ao perguntar-lhe o nome, ouviu ele responder:

— William

e em seguida frisar

— Com dois vês e dois eles.

William tinha por volta de uns 10 anos, nem ele mesmo sabia dizer ao certo sua idade. Podia aparentar ser mais velho ou mais novo do que sua real idade. Vivia na rua há muitos anos, provavelmente órfão de pai e mãe, não sabia dizer. Ele despertava uma compaixão dos passantes que seus colegas de rua não despertavam, vai ver isso se dava por que era o único não negro da turma.

Certa manhã, quando Ana chegou bem cedinho para armar sua banca, encontrou William deitado no chão molhado, todo sujo, sozinho, com um ferimento estranho na cabeça, que ainda sangrava. Levou a mão até seu ombro esquerdo e sacudiu seu pequeno corpo magro. Chamou:

— William!

(com dois vês e dois eles)

duas, três, quatro vezes, mas o menino não respondeu. Ao verificar o pulso dele, Ana constatou a morte.

Ela então pegou um dos sacos plásticos onde trazia alguns dos bolos que poria à venda naquele dia, e embrulhou o corpo do menino. Depois, sob o olhar indiferente de Deus e de São Paulo, jogou o saco dentro de uma lixeira, perto da saída do metrô. O fluxo de gente naquela hora era imenso; rostos alucinados de pressa saíam da estação do metrô Trianon-Masp, às centenas, e se punham a andar para todos os lados, como ratos, para quem as contas a pagar seriam como gatos a persegui-los.

Fazia sol e também muito frio, algo atípico para um mês de dezembro em São Paulo. Ao final do seu expediente, Ana havia conseguido vender todos os seus bolos, não sobrando nem uma migalha sequer para os meninos, agora todos pretos, que faziam a vigia do local.

Foi junto deles e de milhares de outras pessoas que se aglomerariam ali na Avenida Paulista, no final daquela semana, que ela veria os shows e os fogos a anunciarem a chegada de um novo ano.

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