Elemento típico de muitas

(quiçá todas)

as padarias paulistanas, a catraca também recebia os clientes que visitavam a padaria do bairro para onde Dalva ia, todas as manhãs, a fim de comprar pão e, quando o dinheiro dava, alguns frios. Nunca ia sozinha: estava sempre acompanhada de sua filha, Teresa, uma menina de cinco anos de idade que, aproveitando-se de seu tamanho diminuto, passava por debaixo da catraca, burlando assim a contabilidade da padaria sobre o número de clientes que a frequentavam.

Numa manhã nublada de sábado, quando ainda poucos clientes estavam dentro da padaria, Teresa

(ou Teresinha, como alguns gostavam de chamá-la)

chegou sozinha e, como de hábito, passou por debaixo da catraca na entrada da padaria.

Depois de cruzar a pequena selva de pernas que separava a entrada do balcão, ela finalmente chegou até onde costumava ficar Seu João, o velho padeiro que, desde menino, trabalhava naquele estabelecimento que herdou de seu pai, que por sua vez herdara de seu pai, o avô de João.

Ao ver Teresinha se aproximar do balcão, Seu João perguntou à menina:

– Os mesmos 4 pãezinhos de sempre?

E então ouviu dela:

– Minha mãe está deitada na cama, sem conseguir se mexer nem falar.

Assustado, Seu João mandou avisar que:

– Ô Dirceu, olha aqui o balcão para mim que preciso ir ajudar Dona Dalva.

Pegou Teresinha pelo braço e saíram os dois pela mesma catraca que a menina havia passado por debaixo, há pouco, quando chegara à padaria.

Poucos minutos depois, ele e Teresinha chegaram à casa onde a menina morava mais sua mãe, Dona Dalva.

Esbaforido, Seu João entrou pela porta da frente sem bater e se deparou com Dalva sentada à mesa, toda ela generosamente arrumada para o café da manhã. Dalva vestia a camisola com que dormira à noite e tinha o rosto amarrotado de quem acabara de acordar e se levantar da cama, sem nem ao menos passar pelo toalete para se lavar ou mesmo pentear os cabelos.

Ainda assim, Seu João suspirou aliviado por ao menos ver que Dalva não estava deitada na cama sem conseguir se mexer, como Teresinha lhe dissera. Com um olhar ainda sonolento e lânguido, Dalva então lhe perguntou:

– Seu João, aceita um café?

Seu João bem quis dizer sim e aceitar o café que Dalva estava lhe oferecendo – há anos, ele nutria uma paixão platônica por ela. Mas declinou ao ver que a xícara do café trazia o logotipo de uma padaria concorrente, justo aquela cujo dono era um antigo e grande desafeto dele. Disse então:

– Obrigado, Dona Dalva.

E continuou:

– Só vim me certificar que a senhora estava bem.

E, por fim,

– Vou chegando.

Querendo dizer

­– Vou indo.

Em seguida, sentindo-se como que apunhalado no peito, levantou-se e partiu, sem nem ao menos se despedir da menina Teresa.

Ao retornar à sua padaria, pediu que trocassem a catraca da entrada por uma que não permitisse a ninguém passar por debaixo. Embora Dona Dalva nunca mais tenha ido à padaria dele, nem tampouco Teresinha, o faturamento daquele estabelecimento sofreu um incremento nada desprezível depois daquela simples medida de troca da catraca.

Para celebrar a conquista, Seu Dirceu mandou fabricar algumas xícaras com o logotipo da sua padaria. Em cada uma das centenas de xícaras que ele distribui aos seus clientes mais assíduos, como uma retribuição pela fidelidade, pode se ler, em letras douradas sobre um fundo branco, o nome da padaria dele, “Padaria Dona Dalva”, rodeado por um pãozinho em formato de coração.

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