Fazia uns quarenta minutos ou mais que estavam sentados, um diante do outro, em lados opostos da pequena mesa redonda da sala de jantar, entretidos com a sopa que vinha servida em seus respectivos pratos, sem dizer uma palavra sequer. O silêncio só era quebrado pelo ruído do movimento dos talheres e os sons produzidos pelo ato de mastigar e engolir. Não tinham brigado nem discutido, nada disso. Simplesmente não tinham mais o que compartilhar um com o outro, nada senão o silêncio, denso como a sopa de mandioca que tomavam.
Tito e Sofia estão juntos há muitos anos, tantos que não sabem mais dizer ao certo quantos, mas certamente mais do que quinze. O tempo passa rápido e, não raro, engana nossa própria percepção sobre o tempo. Quando nos damos conta
(isso quando nos damos conta…)
lá se foi uma vida.
À semelhança de um avião em voo de cruzeiro, o relacionamento entre ambos segue um voo quase automático por uma noite escura sem fim. Ele toca a vida dele; ela, a dela. Estariam ainda casados? Formalmente, nunca estiveram. Anos atrás, pouco depois de se conhecerem, foram morar juntos e assim permaneceram desde então, sem nunca terem oficializado nada. Isso não os impediu de sempre se apresentarem como marido e mulher, como casados mesmo.
Quando terminaram de jantar, Sofia
(a primeira a terminar)
levantou-se e seguiu para a cozinha. Tito permaneceu sentado à mesa e, sozinho, pô-se a chorar. De início, de forma discreta, mas rapidamente o choro foi ganhando corpo e vazão. Cresceu a ponto de fazer parecer um menino o homem que estava ali chorando.
Ao ouvir o choro de Tito, Sofia retornou da cozinha, em passos apressados, foi ao encontro dele e o abraçou. Também ela naquele momento chorava. Ambos choravam. Minutos depois, completamente encharcados pelas lágrimas derramadas, Tito e Sofia se separaram. Com os olhos vermelhos, os rostos inchados, sentindo suas gargantas embargadas, seguiram para o quarto que ambos dividiam no apartamento.
Ali, no local onde antes havia uma cama de casal, daquelas bem grandes, estão duas camas de solteiro, separadas por alguns palmos de mão de distância. Com cada um empurrando de um lado, juntaram as camas de solteiro para, de improviso, formar uma nova cama de casal. E é sobre esta que se deitaram e dormiram, cada um do seu lado, de costas um para o outro, sem nem ao menos um abraço ou um beijo prévios. Dormiram assim a noite toda e, pela manhã, ao acordar, Sofia viu-se sozinha. No lado da cama de casal improvisada, antes ocupado por Tito, há apenas um bilhete. Neste, uma mensagem na qual se lê: “Volto logo”, em letras de mão. A letra de Tito.
Logo é tempo demais para mim, pensou Sofia, e então rasgou o bilhete.
A verdade é que, depois daquela noite, Sofia nunca mais teve notícias de Tito. Tanto tempo se passou desde a última vez que ela o viu, que ela nem conta mais com o retorno dele. Passou a viver sozinha, solitária.
Para ela, o tempo tem ganhado a mesma densidade viscosa dos silêncios que antes preenchiam o convívio com Tito. A eternidade parece não caber nas horas, tão longas estas parecem estar. Qualquer instante se lhe apresenta como tempo demais.