Asas sem ninho

Nunca tinha estado em meio a uma multidão como aquela, com todo mundo vestindo fantasias exuberantes ornadas com plumas, lantejoulas, muito dourado e prateado, caminhando com passos ritmados ao som de uma potente bateria.

Era a primeira vez de Manuela em um desfile de escola de samba. Sentia-se inebriada pela alegria que a circundava, embora não estivesse ali para desfilar, mas a trabalho: integrava a equipe de garis encarregada da limpeza da avenida. Era a única mulher em um grupo de trinta homens, todos, assim como ela, trajando o uniforme cor de laranja da companhia de limpeza para a qual trabalhavam.

Da arquibancada, o público que acompanhava o desfile julgava ver ali, naquele grupo de garis, mais uma ala da escola de samba, cujo samba enredo homenageava reis e rainhas de tempos passados.

Com a mesma maestria com que, com a vassoura, varria a sujeira deixada pelos sambistas na avenida, Manuela sambava. No gingar de suas pernas, ritmadas pela bateria, brotava uma enorme alegria, que crescia e desabrochava feito flor.

Ao final do desfile daquela escola de samba, foram para ela os aplausos do público, que ali então elegia uma nova rainha do samba.

Quando o dia amanheceu, findou o expediente de trabalho dela e de seus colegas garis. Cada um a seu modo, voltaram para suas respectivas casas. Estavam exaustos. Manuela ficou. Foi remexer, por entre o lixo, restos de fantasias deixados pelos foliões. Encontrou de tudo, mas depois de uma seleção com base na memória da música que mais havia lhe comovido naquela noite, selecionou um par de asas angelicais, puídas pelo uso, e uma coroa de lamê dourado. Vestiu as asas nas costas e pôs a coroa sobre a cabeça. E foi ornamentada assim, que ela seguiu para sua casa, na distante periferia da cidade, onde, ao chegar, ainda teve que cozinhar o café da manhã para seus irmãos e lavar a louça antes de poder se deitar e descansar. Fez tudo isso sem tirar as asas das costas e a coroa da cabeça. Dormiu então o dia inteiro, indo acordar somente quando o despertador tocou, avisando da chegada da hora de voltar ao trabalho, para onde seguiu de ônibus, ainda trajando sua fantasia da noite anterior. Fantasia que, ao chegar ao trabalho, pediram-lhe para retirar. Por regra do empregador, os funcionários só podiam trabalhar vestindo o uniforme laranja que trazia, no peito, o logotipo da empresa.

Resignada, ela pegou as asas e a coroa e guardou em um armário no vestiário feminino, que ela, sendo a única mulher empregada, não dividia com mais ninguém. Enquanto seus colegas de trabalho partiam em direção à avenida onde, mais uma vez, passariam a noite a limpar a sujeira deixada após a passagem das escolas de samba, Manuela ficou ali, sozinha, no vestiário. De repente, não viu mais sentido naquela alegria que, como um fogo fátuo, tão rapidamente viria quanto depois desapareceria. Asas sem ninho. Mas se isso não for o Carnaval, então o que seria? Refletiu.

Movimentada por essa reflexão, tomou coragem, levantou-se e acompanhou seus colegas de trabalho para a avenida, a fim de cumprir seu ofício de varrer e limpar.

Varreu, limpou, mas também sambou. Ao final dos desfiles de cada escola de samba, era sempre ela a mais aplaudida. Chegou até a dar entrevista para uma emissora de televisão. Na imagem transmitida a tantos lares, pôde-se ver Manuela no seu traje laranja da empresa de limpeza, trazendo no alto da cabeça uma coroa de lamê dourado e, penduradas nas costas, asas de penas puídas, ambas peças que ela recolhera do lixo no dia anterior. Contrariando a política da empresa, ela havia cumprido sua jornada de trabalho vestindo sua fantasia de restos de lixo. Tão dura era sua realidade de vida, que mesmo a mais precária fantasia, como era aquela que Manuela vestia, conseguia fazê-la mais suportável de viver. Afinal, pensou com alegria, não é para isso mesmo que serve o Carnaval?