Luiza e Manuel

Casados há mais de trinta anos, chegava a ser difícil imaginar Luiza sem Manuel e vice-versa, tão grudados um ao outro ambos viviam.

Seu único filho, João, já não morava mais com os pais, de modo que tinham a casa só para si mesmos. Livres, passavam os dias ali dentro, pelados, a cuidar dos afazeres domésticos, que não eram muitos: a casa era pequena e não exigia muita manutenção. O tempo livre, passavam a assistir televisão ou lendo, tudo muito prosaico.

Só quando precisavam sair de casa ou quando recebiam alguma visita, duas situações muito raras, é que vestiam roupas. Fora isso, estando frio ou calor, andavam nus.

Era uma manhã nublada, dessas em que o céu parece estar de mau humor, ranzinza, de tão fechado que está seu semblante. Luiza acabara de por a mesa para o café da manhã e foi chamar Manuel, que àquela hora ainda estava no banheiro, tomando seu banho matinal.

— Manuel, o café está pronto.

Ela avisou.

— Vem.

Ela chamou, sem muito entusiasmo.

Mas Manuel demorou a responder. Lá do banheiro, ouvia-se apenas a água do chuveiro a cair dentro do box.

— Manuel?

Ela perguntou, já esboçando um semblante de preocupação. Luiza foi então em direção ao banheiro e, lá chegando, abriu a porta e entrou sem bater, deparando-se com Manuel, não tomando banho como o chuveiro ligado dava a impressão de estar, mas sentado sobre o vaso sanitário a olhar o seu celular.

— O que você está fazendo?

Ela quis saber.

Manuel, sorrindo, mostrou a ela uma foto que estava guardada no celular, uma foto antiga que ele encontrara em seus arquivos de imagens.

— Olhe isso.

Ele disse.

Luiza apertou os olhos para poder enxergar o que Manuel mostrava na tela de seu celular. A foto era do casamento do casal, uma foto antiga, portanto, na qual ele estava vestindo um fraque com duas longas aberturas traseiras, à semelhança de asas de gafanhoto; e ela com um vestido de noiva com muitas camadas de véus e tules brancos, parecido com uma rosa gigante, os dois de mãos dadas diante da porta da igreja, enquanto tentavam se proteger de uma chuva de arroz que caía sobre suas cabeças, lançada pelos convidados que os esperavam ali fora, logo depois de terminada a cerimônia matrimonial.

Na foto, o então jovem Manuel e uma Luiza ainda na flor da idade sorriam para um futuro que, no instante capturado pela imagem, era uma terra virgem, como um vasto descampado prestes a ser conquistado e explorado.

— Parece que foi ontem.

Disse Manuel, sem tirar os olhos da foto, no que Luiza concordou com um meneio da cabeça. E, por alguns instantes, pareceu-lhes mesmo que tinha sido ontem aquele momento retratado naquela imagem de quase trinta anos atrás, guardada no celular de Manuel. Era como se os anos de casados, que viveram juntos, não fossem nada senão as últimas vinte e quatro horas que os separavam da manhã do dia anterior.

– Como o tempo passa rápido.

Disse Luiza, esboçando um olhar algo cansado.

– Passa mesmo.

Confirmou Manuel, enquanto fechava a tela do celular e se levantava.

Ao ficar em pé, Manuel pôde olhar-se no espelho do banheiro e, por sobre a superfície embaçada pelo vapor do chuveiro, viu a sua imagem refletida junto a de Luiza. Diferentemente da foto do casamento, em que estavam vestidos a rigor, ali diante do espelho, ambos estavam nus, seguindo hábito cultivado em anos recentes, depois que seu filho deixara a casa dos pais.

Como uma metáfora do tempo que se esvai, o chuveiro continuava ligado despejando litros e litros de água diretamente sobre o ralo dentro do box do banheiro.

(como o tempo passa rápido)

— Desliga esse chuveiro, Manuel.

Ordenou Luiza.

— A gente não é sócio da companhia de água.

Justificou.

Manuel fechou o chuveiro, fazendo cessar o desperdício de água, e então seguiram para a cozinha onde tomaram seu café da manhã, como sempre faziam, fiéis à rotina dos dias que seguiam a passos lentos, surpreendendo-os, vez em quando ou quase sempre, com a sensação de que o tempo não passava, sentimento que parecia ainda mais marcante em dias nublados como aquele que então apenas se iniciava, certamente um longo dia.