Era um homem muito quieto, desses cujo som da voz ninguém nunca ouvia, Quando perguntado a respeito de algo, apenas com resmungos respondia, no que o interlocutor ficava sem saber se aquilo significava um consentia ou dissentia, De onde ele era, ninguém sabia, Vivia ali na praça da Matriz, onde passava seus dias, a olhar em direção ao nada, até desviar o olhar quando alguém ao seu lado aparecia, Não falavam nada, quando muito apenas uma troca de olhares desconfiados surgia, A uns, sua figura causava repulsa, antipatia; para outros, uma minoria, ele era uma figura cheia de simpatia, Comia o que lhe davam, ali mesmo dormia, e assim sua vida seguia, Só se mexia para procurar uma sombra, fugindo do sol do meio-dia, e pra atender aos chamados da natureza, no banheiro nos fundos da padaria, Em troca desse favor, ao dono oferecia os préstimos de deixar o local sempre muito limpo: aquilo de fato reluzia, Aos domingos, chegada a hora da eucaristia, tentava adentrar a nave da igreja, mas o padre nunca o permitia: seus trajes eram rotos demais, seu corpo fedia, e aquele era um lugar sagrado, — Deus lá em cima tudo via, e respeito exigia! assim o padre, em tom severo, o advertia, Seu verdadeiro nome ninguém sabia, Para todos, ela era apenas mais um desses que da vida se perdia, a vagar pelo mundo, vivendo sem futuro, o dia após dia, Numa manhã fria, a bruma ainda espessa, nada se via, ele tremia, em vão se encolhia, foi quando uma jornalista, jovem mocinha judia, que, por não frequentar a eucaristia, nem dele sabia, apareceu, e quis saber de sua história, Ela precisava de uma matéria para encher a pauta do jornaleco “O Dia”, um jornal que, apesar do nome, era semanal: a cidade, de tão pequena, não tinha notícia pra encher página todo dia, A jovem jornalista era jeitosa, toda sorrisos e simpatia, e assim conseguiu o que queria, A entrevista correu bem, quem diria! E terminaria a tempo de ela ainda passar no banco e pagar uma conta que naquele dia vencia, Para concluir, ao indagar-lhe o nome, ele respondeu-lhe “Maria”, Ante tal resposta, surpresa, sem nada entender, assim ela permanecia, mas pensou: — Com essa descoberta, minha entrevista vai finalmente ser capa de “O Dia”, Assim sonhava acordada, em plena luz do dia, Quando a matéria saiu, a cidade ficou em polvorosa, todos a perguntar como algo assim podia: um homem chamar-se Maria!? Até então, ninguém notara sua androginia, A polícia foi chamada, e o pobre Maria foi levado para a delegacia, onde, por quanto fosse interrogado, nada respondia, O delegado, com medo do que a opinião pública a respeito diria, mandou silenciar Maria, Um médico fora chamado para atestar que se tratava de morte natural, nada de mais, O doutor era homem de família, ninguém na cidade ousaria por em dúvida sua conclusão sobre o fim de Maria – ninguém nem sequer sobre isso discutia, O silêncio coletivo imperava, No íntimo, pensavam aliviados: — Restabeleceu-se a ordem que Deus queria, No dia seguinte, a cidadezinha voltaria à pacata rotina de seu dia a dia, Deram pela falta de Maria apenas na padaria: o banheiro não mais reluzia.
O silêncio de Maria
