Fuçando uma caixa de sapatos que, há anos, mantinha guardada no fundo de uma gaveta da penteadeira, Paula encontrou várias fotos antigas, de sua época de juventude; fotos em que ela aparecia sempre cercada de muitas amigas, o pessoal da faculdade, do trabalho. Gente que os anos foram levando e sobre paradeiro das quais ela atualmente nada sabe.

Daquela gente toda, cujas imagens as fotografias registraram em geral abraçadas umas às outras e sorrindo, não recorda o nome de ninguém; por vezes, também não se lembra nem sequer onde a foto foi tirada. Ainda assim, pensa Parece que foi ontem.

Pela manhã, enquanto caminhava pela rua em direção à padaria, leu em um muro que Qualquer idiota consegue ser jovem, mas que É preciso talento para envelhecer. Olha de novo para aquelas fotografias, uma a uma, manuseando-as com cuidado, como se, ao invés de fotos, estivesse a recolher as pétalas de um arranjo de flores, que caíram ao chão pela ação do tempo. Também aquelas fotos revelavam a ação do tempo, mas de um tempo muito maior, o tempo de toda a sua vida.

Uma das verdades da vida da gente é que, só quando estamos mais maduros, nos damos conta não apenas da escassez do tempo, mas também de quão rápido ele passa, Meus Deus, já estamos em abril, Parece que foi ontem que celebramos, com os corações cheios de esperança renovada, a chegada de mais um ano.

O tempo passa rápido, muito rápido, tal qual aqueles maratonistas que, em sua passagem, acenam para a plateia de pessoas a observá-los a correr. A vida é mesmo uma maratona? E diante dela somos esses corredores ou somos a plateia para quem eles acenam?

Sozinha em casa, enquanto olha para aquelas fotografias antigas, Paula permanece sentada sobre a cama de casal que, por décadas, dividiu com seu marido, falecido há alguns anos. Hoje vive sozinha, pois Marlene, sua única filha, mora em outra cidade e nunca a visita. Olha as fotos da filha, do falecido marido; não os reconhece mais, também eles lhe parecem estranhos. Emolduradas em porta-retratos, outras fotografias dividem o espaço sobre a penteadeira com escovas de cabelo, presilhas, um frasco de leite de rosas, águas de colônia, alguns bibelôs e um revólver. A arma pertenceu a seu marido, que, quando vivo, falava que era para a segurança da família, Vai que um dia entra um bandido aqui, ele dizia para justificar a presença daquele revólver, sempre carregado, dentro de casa.

Ela reconhece a arma em umas das fotos que tem em suas mãos; talvez porque fosse uma foto recente, que ela mesma tirara, numa selfie em que, com o dedo no gatilho, ela aparece apontando aquela arma para a própria cabeça. Paula consegue reconhecer a arma na foto, mas ao olhar para seu próprio rosto, não se reconhece. Pensa tratar-se de uma estranha. Aos seus olhos, contrariamente aos dizeres que lera naquele muro no caminho para a padaria, na manhã daquele dia, a mulher da foto não havia demonstrado nenhum talento para envelhecer, pois tinha a pele fina, feito papel, toda enrugada, os olhos fundos, uma expressão de profunda tristeza e solidão. Ao contrário de Paula, que julgava estar bem para alguém de sua idade, pois se acostumara a entristecer, aquela mulher da foto parecia ter sido derrotada pela vida.

Nem todo fim é o fim do mundo, ela pensou enquanto observava a imagem da mulher na fotografia com o revólver apontado para a cabeça. Pegou então o revólver, apontou para sua própria cabeça e, mais uma vez, pensou Nem todo fim é o fim do mundo. Quando ia reproduzir essa frase pela terceira vez em sua mente, só conseguiu pensar Fim.

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