Em meio à correria do horário do rush, sob a luz esmaecida do sol que descia no horizonte, poucos notaram aquela mulher entrar correndo, esbaforida, pelo portão principal do cemitério da Consolação. Trajava um elegante vestido de noiva, branco, todo rendado e ricamente bordado, trazendo à cabeça uma grinalda de lírios da mesma cor alva, e na mão direita um buquê de rosas naturais, num azul intenso de lápis-lazúli, cujas pétalas caiam ao chão, numa melancolia de confetes de último baile de Carnaval. Socorria em seus braços parte da longa cauda de tule, com a qual enxugava lágrimas borradas de maquiagem, que teimavam em escorrer de seus olhos, dando ao seu rosto um aspecto de quadro de palhaço triste.
Uma senhora cardíaca, que acompanhara incrédula a cena, julgou tratar-se do fantasma de uma alma penada e teve uma crise ali mesmo na calçada. Um jovem artista, que subia a rua em direção à Paulista, pensou que aquilo era um ousado ensaio de moda de alguma revista. Um mendigo, sentado à entrada do cemitério, nem viu a noiva entrar, tão ocupado estava em esmolar. Um vendedor de flores, ali ao lado, praguejou por supor que as rosas da noiva teriam sido adquiridas de seu concorrente da Dr. Arnaldo. Um senhor, vestido com a elegância de porteiro de hotel, que saia do cemitério enquanto a noiva lá entrava, ao vê-la, saudoso, lembrou-se de sua falecida amada, que acabara de ser ali velada. As estátuas de anjos, que a tudo testemunharam, nenhuma expressão esboçaram.
O rastro de pétalas azuis, que a noiva deixava, seguia por um dos caminhos do cemitério até certo ponto, e terminava de repente, em meio ao nada.
A noite foi calma, enluarada. Da noiva, nunca mais se soube, sumiu-se, evaporou-se, deixando este narrador abandonado, sem ter mais o que contar, ao contrário do seu noivo, que, do mesmo modo deixado em algum altar, deve ter tido muito o que por uns tempos lamentar.