Foi de sua mãe que João uma vez ouviu, quando era adolescente:
– Você é um jovem com mente de velho.
À época, João havia pedido a ela uma harpa de presente de aniversário.
De uma amiga de sua mãe, que acompanhava aquela conversa, ainda ouviu:
– Harpa é instrumento de velho, João.
Passados mais de quarenta anos daquele dia, João não se considera propriamente um velho, nem tampouco um jovem, ao menos não aquele jovem do passado. Considera estar na chamada meia idade.
Hoje em dia, sente-se feliz quando ouve das pessoas coisas como:
– Você ainda é jovem.
ou
– Não aparenta a idade que tem, João.
As memórias sobre aquela conversa com sua mãe e a amiga dela invadiram sua mente enquanto escrevia, num pedaço quadriculado de papel pólen, um recado para Teresa, sua diarista.
Incomodava-o a vulgaridade das folhas brancas de papel; para escrever, preferia aquelas de papel pólen que, com seu tom pastel, imitavam um certo envelhecimento.
Escreveu:
“Não se demore, seja breve”
Naquele dia, João não queria que Teresa se demorasse com os afazeres da casa, pois sabia que ela precisava levar o filho ao médico, no período da tarde, sem falta.
Caprichando na caligrafia, João complementou a mensagem que deixava no bilhete com um:
“Te amo”
Homem solitário, de poucas palavras, leu mentalmente o bilhete que havia escrito e ao ler a mensagem completa:
“Não se demore, seja breve
Te amo”
João sentiu-se envergonhado, pois julgava estar velho para aquele tipo de demonstração de afeto. Talvez velho demais para amar.
Sentiu seu rosto ficar vermelho e gotículas de suor brotaram de sua testa. Enxugou-as com um lenço de papel e então rasgou o bilhete, substituindo-o por um outro, também em um pedaço quadriculado de papel pólen, no qual escreveu simplesmente:
“Quando sair, não se esqueça de trancar a porta com a chave”
Colou aquele bilhete na geladeira e partiu para o trabalho.